percurso: Piaçu, Monforte Frio, Córrego Grande e Conceição do Castelo
(em 22/03/2022)
O caminho de Piaçu a Conceição do Castelo traça um zigue-zague, tanto no espaço horizontal como no vertical, já que a zona é montanhosa e o trajeto vai contornando as elevações maiores, contorcendo-se em meio à geografia acidentada para poder usar os passos mais baixos e propícios à travessia.
São três grandes trechos de subida. Começamos por atravessar o rio Norte, logo a 500 metros de percurso, e começarmos a subir uma extensa serra, que vai acima por quase 5 quilômetros, quando cruzamos um passo achatado pela passagem de um córrego, aos 864 metros, quase 100 metros acima da cidade de Piaçu.
O tempo estava muito úmido, como se estivéssemos passando por dentro das nuvens espessas que desfocavam a imagem do alto dos morros, deixando a paisagem com um quê de ameaçadora. Como para destacar-se da subida zigue-zagueante que acabávamos de enfrentar, na hora de descer, mudamos bruscamente de direção, formando no mapa do GPS o primeiro dos grandes “dentes-de-serra” que iriam caracterizar este dia. Rumamos morro abaixo, em linha reta, para a área rural do distrito de Monforte Frio, mas não entramos nele. Na altura de cruzar o córrego da Indústria, mudamos de rumo outra vez, passando a subir em direção a outro passo, que nos levou a uma curta descida, seguida de ascenção pelo vale do córrego Grande que, quilômetros à frente, cruzamos.
Do outro lado do córrego Grande, traçamos a ponta abrupta de outro “dente-de-serra” e terminamos o trecho de subida que nos levou até o passo da segunda serra. Estávamos aí a 980 metros de altitude, em meio a matas nativas e eucaliptais, com as nuvens de chuva resvalando pelas encostas e nos molhando sem chover. Depois, descemos o outro lado da serra, até chegarmos a uma encruzilhada, mais baixa – a apenas 762 metros –, onde fizemos mais uma mudança de direção e subimos, outra vez, até 868 metros de altitude, chegando ao topo da terceira e última serra do dia.
Para terminar, descemos ladeando o córrego Estreito e completamos o último “dente-de-serra” do percurso, num local onde o Estreito deságua no rio Castelo, já bem à vista da entrada da cidade que ele nomeia e era nosso destino daquele dia.
Voltando ao começo, afirmo que o dia não começou frio, mas apenas úmido e escurecido por uma garoa bem fina, que acinzentava a visão da serra que nos cercava, em Piaçu. Logo na saída da cidade, passamos por uma pracinha ajardinada, com poucas árvores e palmeiras dispostas atrás e aos lados de um busto de bronze, que representava uma uma mulher de expressão séria e professoral. Uma placa do mesmo metal, colocada abaixo dele, apenas nos informava tratar-se de uma certa Dona Veridiana Rosa de Jesus Figueiredo, mas sem declinar seus feitos ou sua importância para a localidade. Também nada encontrei sobre ela na internet.

A chuva que caiu ontem se fazia lembrar, de quando em quando, permanecendo presente numa névoa úmida e pegajosa, que se aderia aos morros e serras do entorno, e também no barro, cheiroso de chuva e grudento, que atapetava as estradas de chão e segurava, a todo custo, as rodas das bicicletas.

Enquanto labutávamos para desprender-nos do barro, na subida da primeira serra, eu pensava no percurso previsto para o dia, que ia verificando na tela do GPS. Das três serras a superar, eu me indagava, nenhuma era muito assustadora? Ou nos pareciam mais fáceis, só porque já tínhamos nos habituado ao cenário do Caparaó? – Não sei responder. Mas é certo que haveria um sobe-e-desce – e um vira-que-vira – bem bacana para trilharmos hoje.

Logo no início desta primeira serra, não eram poucas as paisagens impactantes que as neblinas nos deixavam entrever. Numa beirada da estrada, a 2,2km, que se debruçava sobre um vale profundo, eu avistei uma casinha branca, lá no fundo, que me deu a exata proporção da grandeza das montanhas pelas quais passávamos.

Com 840 m de altitude, aos 3,8 quilômetros de trajeto, já chegávamos perto do topo da primeira serra. Ali, entre cafezais e bananeiras, mais uma casinha branca apareceu, emoldurada de luz, à saída de uma mata, cercada de bananeiras, e me fez parar para fotografá-la. Ao fundo, para o lado em que ainda subiremos mais um pouco neste lance de serra, um grande cafezal cobria a encosta do morro.

Em distância, ainda percorremos mais um quilômetro ante de chegar ao passo da serra, que veio só aos 864m de altitude, embora o marco da Rota Imperial, no mesmo sítio, estivesse indicando 874m, dez a mais que o marcado no GPS.

A partir do topo da serra, a estrada passou a acompanhar o leito de um córrego que tem o curioso nome de “Mão Forte Quente”. Ele vai correndo pelo fundo de um vale estreito, formado pelo encontro das encostas de inúmeros morros, onde se alternam pastagens, cafezais, eucaliptais e matas nativas.

Mais adiante, ao avançarmos na descida desta primeira serra, a garoa qua caía apertou bastante, virando um chuvisco fino e realmente “molhante”. Embora com receio, devido às mensagens de erro que minha Canon vinha acusando de quando em vez, arrisquei ainda molhá-la um pouco mais e registrei algumas cenas do clima obscuro e acinzentado, que aquela chuvinha fina só fazia acentuar.

Assim, seguimos sob a chuva, chuva da qual, como é meu costume, não me protegi. Eu prefiro sempre molhar-me a usar abrigos impermeáveis, que deixam-me suado e desconfortável, a menos que a temperatura me obrigue a usá-los, o que não era bem o caso por aqui, quando faziam ainda confortáveis 18ºC, apesar de toda a umidade reinante.
Um pouco adiante e abaixo na ladeira, consegui entender a razão de haver um córrego “Mão Forte Quente”: cruzamos, aos 6,4 quilômetros, um outro córrego, este menor e denominado, de acordo com o mapa, “Mão Forte Frio”. Entretanto, continuamos à margem do nosso mais conhecido e confortável “Quente”, por onde fomos descendo e repetidamente cruzando-o, aos 8,3km, aos 8,7km e, finalmente, aos 11,2km.

Aos 8,4km de trajeto, e antes de cruzar o córrego “Mão Forte Quente” pela terceira vez, passou por nós um cavaleiro, que também estava molhado e sem importar-se nada com isso, assim como nós. Parecendo querer dialogar conosco, nessa veneta, a garoa, naquele momento, parou.

Chegamos a uma encruzilhada, no colo do vale que separa as duas primeiras serras. Estávamos também entre duas sucessivas passagens por sobre o córrego Mão Forte Quente, quando pareceu que ia estiar de vez. Somente a névoa úmida e acinzentada, que agora parecia um pouco mais alta e rarefeita, ainda continuava aderida a algumas das encostas de serra, mas o ar à nossa volta até parecia ter ficado mais límpido e transparente.

Assim seguimos, por um trecho relativamente plano, sempre aos pés de montanhas, que subiam assustadoramente, para os dois lados de um pequeno córrego (que não era mais o Mão Forte, fosse ele quente ou frio, tanto faz).
Num sítio terraplanado, ao lado da estrada, vimos mais uma casa simples e mais cafezais entremeados de bananeiras, por trás. O alto da serra estava invisível, escondida por uma grossa camada de nuvens.

Por aí seguimos até o distrito de Monforte Frio e, aos 11km, chegamos bem perto do córrego da Indústria, quando viramos à esquerda e começamos a subir nossa serra de número dois.

Subimos por aí um primeiro lance de serra, de cerca de dois quilômetros de extensão e, depois de um falso cume, descemos um pouco, até à margem do córrego Grande, cujo curso passamos a acompanhar. Ele corria do nosso lado direito, descendo no sentido oposto ao que seguíamos, em meio a uma paisagem acidentada, com lances de subida bastante íngremes e grandes afloramentos de rocha, parcialmente expostos, em meio à mata exuberante.

Na retomada da subida, passamos perto de uma pequena chácara de produção de bananas, com uma casa simples e o indefectível fusca estacionado ao lado.

Mais acima, talvez a meio caminho desta segunda serra, encontramos um segundo falso cume, em cujo patamar havia um pátio de secagem de café e, ao fundo dele, várias carcaças de automóveis estacionadas. Eram, na maioria, fuscas também.

A esta altura do percurso, o Sérgio já havia me ultrapassado, esperado e voltado a ultrapassar, como já se tornara habitual. Encontrei-o de novo num outro patamar da montanha, onde havia algumas construções e um equipamento para torra de café, à sombra de uma cobertura de telhas de zinco, bem à beira do caminho.

Após este pequeno patamar, para deixamos as proximidades do córrego Grande, restava-nos uma subida final, até à altura do passo da serra. Logo à saída daquele terreiro, onde estavam as máquinas de torrefação, a inclinação da subida revelava-se simplesmente incrível. Além disso, a estrada – se é que alguém possa chamar aquilo de estrada – estava atulhada de pedras grandes, irregulares e soltas, que a tornavam certamente impedalável (como costumo dizer destas impossibilidades ciclísticas). Eu nem tentei subir pedalando; logo parei a Faísca e passei a empurrá-la, morro acima.

Um pouco depois, a pouca vista que tínhamos se abriu para o vale e para as montanhas do entorno dele. Eu avistava cafezais e outros cultivos, nas muitas encostas, como que bordados com cercas-vivas de algum tipo de arbusto, que não sei identificar. Sobravam restos de mata nativa ao longo dos entalhes de grotas e penhascos. E, acima de tudo isso, reinava a cerração, que ainda não nos tinha deixado ver o sol, nenhuma vez.

Do outro lado do caminho, pela mesma altura do caminho, eu podia avistar um outro pequeno terreiro de café, com tufos de bananeiras, depósitos e pedaços de mata nativa disputando espaço com os cafezais.

Aos 15,3km de percurso, eu constatei estar a 970 metros de altitude, quase no topo da serra. Eu estava a cruzar uma área de cafezais que tinham sido plantados de uma forma densa e compacta, cobrindo completamente o solo da encosta. A visão era a de um espesso tapete verde-escuro.

Uma vez no topo – uma passagem em formato de sela pelo alto da serra – fiz leitura de 992 metros de altitude, embora o mapa indicasse apenas 980 metros. Ali, a neblina densa tocava a copa dos eucaliptos, dando uma aspecto fantasmagórico ao local.

Avançamos por dentro do eucaliptal e fomos descendo a encosta da serra, onde a temperatura havia caído um pouco, voltando aos mesmos 18ºC que experimentamos durante o período de garoa, hoje um pouco mais cedo. Aqui o caminho era de trilha rústica, mergulhada num grande eucaliptal – tudo que um ciclista de MTB ama encontrar, de forma que nem nos incomodava nada, fosse frio, calor ou chuva.

Numa pequena clareira, que se abriu no bosque, havia um trecho pequeno de mata ciliar, que mostrava maior variedade de espécies de árvores, incluindo as bem-vindas quaresmeiras-roxas, muito floridas.


No final da descida, cheguei a uma encruzilhada, onde havia um ponto de ônibus, com uma cobertura rústica, onde encontrei o Sérgio sentado, que aguardava a minha chegada. Não sei quanto tempo ele ficou me esperando ali, mas, pela quantidade de fotos que tirei, não deve ter sido pouco.

Aí pegamos a estrada que saída à esquerda e começamos a subir a última serra que estendia-se como muro, entre nós e o nosso destino. O tempo continuava nevoento, mas estava cada vez mais seco, o que refletia-se também numa melhor qualidade do piso de rodagem da estrada de chão.
A luz, se não era ideal para grandes planos da paisagem, dava-me alguns momentos de iluminação suave, com sutis variações de brilho e intensidade, que tentei aproveitar o melhor que pude.

Logo adiante, parei para ver e fotografar uma mata rica de texturas, que se apresentou num espaço contido, entre roças de café e banana e um bosque de eucaliptos, que se entrevia, lá por trás. Eram quaresmeiras roxas, sibipirunas (ou fedegosas?) amarelas, embaúbas prateadas… um festival de formas e cores.

Enquanto eu aproveitava os momentos de luz mais especial e o festival de cores que a mata me ofertava, Sérgio se adiantou e sumiu por dentro da mata, outra vez.

Desde que comecei a me interessar e a praticar fotografia, há muitos anos, tenho uma atenção especial pelos detalhes que se apresentam no chão. Naquele sítio, o solo da estrada começava a rachar, tensionado pelo secamento da água da chuva, que já havia parado há algum tempo. Minha atenção foi atraída por ele e pelas inúmeras pétalas e folhas multicoloridas, que haviam caído das diferentes espécies de árvores do bosque circundante.

Alcançamos o topo desta última elevação no caminho, aos 19,4km, quando totalizamos 835m de elevação acumulada. O GPS indicava a altitude de 868m, quando fizemos uma curva suave à direita e começamos a descer, acompanhando o curso do córrego São Bento das Pedras, que nasce próximo ao passo da serra e desce até desembocar no córrego Estreito, já na reta final para chegar ao rio Castelo.

Numa curva da estrada, avistamos uma igreja ao pé de um enorme rochedo, que de tão massivo e alto, parecia ameaçá-la. Para tomar-se proporção dessas grandezas, basta-me dizer que a igreja está a 780 metros de altitude e o topo do rochedo, segundo me diz o mapa OSM, está a cerca de 1.150 metros.

Mas, como abaixo todo santo ajuda e tudo que é bom alguma hora acaba, descemos por toda aquela encosta, encontramos o córrego Estreito e, ao lado dele, continuamos descendo. Ao fim e ao cabo, chegamos ao rio Castelo, que cruzamos, e entramos na cidade.
Paramos na praça que fica ao lado da Câmara Municipal de Conceição do Castelo e almoçamos no restaurante “Escritório”, que tinha comida razoável e um chopp muito bom!

Depois do almoço, descemos pela avenida José Grillo, até a pousada Rota do Imperador, que fica anexa a um posto de gasolina, mas não é nada ruim, boa até.
Neste dia de viagem, acumulamos 865 metros de ganho de elevação, num percurso de apenas 27,1 quilômetros. Bastante subida para um percurso assim pequeno, o que explicava bem o tempo de 5 horas e 15 minutos que demoramos para percorrê-lo e o cansaço que eu sentia.
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