(em 19/03/2022)
Hoje mudaríamos, finalmente para outro estado da federação: o Espírito Santo! Seria um dia ameno, do ponto de vista do ciclismo, ao contrário do clima propriamente dito, que estaria bem quente, com temperaturas que passariam longe dos 30ºC, antes do final do trajeto.
A distância a ser percorrida seria de apenas uns 30 quilômetros, com uma única grande serra a ser vencida. Moleza, o leitor diria. Entretanto, esta serra não era só única, mas também era serra portentosa. Ela nos pareceu um prenúncio do grande maciço do Caparaó, cuja ponta norte nós começamos a contornar, depois de passar essa serra: vendo pelo mapa, descrevemos a primeira metade de um grande arco, começando no encontro com a divisa de Estados, às margens do rio José Pedro, e continuando o traçado até Pequiá. A segunda parte deste arco vai ficar para amanhã, quando vamos sair de Pequiá e continuar no traçado curvo do arco até cruzar o rio Santa Clara, quando então deixaremos essa geometria perfeita para subir até Santa Cruz de Irupi e daí virar para o leste, a fim de cruzar Irupi, e por aí seguir até chegar a Iúna.
Pois então, como eu dizia, é o curso do rio José Pedro que demarca, nesta região, a fronteira estadual. E cruzando-o, para passar à sua margem direita, é como entraremos no Estado do Espírito Santo e também, após acompanhar esta margem, por alguns quilômetros em direção ao norte, é como chegaremos ao nosso destino de hoje, a cidade de Pequiá, ES.
Por ali, há uma curiosidade geográfica: se você, leitor, seguir o link desta pedalada no site RideWithGps, que está quase no final desta publicação, poderá selecionar o mapa “OSM Outdoor” (na caixa de seleção do canto superior direito) e verificar, pelo desenho do relevo geográfico, que há uma linha imaginária, traçada pela crista do maciço do Caparaó (talvez seja preciso afastar a visão do mapa, usando o botão “-“, para vê-lo inteiro), que segue pelo eixo sul-norte e, ao seu final, aponta diretamente para Pequiá.

Dito isso, vamos ao início do pedal. Nesta manhã, saímos do hotel um pouco tarde, devido ao horário tardio adotado por eles para servir o café (inicia o serviço somente às 8 horas), e seguimos por dentro da área urbana de Manhumirim, em direção ao norte. Passamos por um trevo, em cuja praça central havia um monumento da cor do cobre, representando um casal de agricultores, portando os símbolos da atividade de produção de café: a enxada e a peneira. De lá, prosseguimos mantendo a mesma direção, por algum tempo, até que a estrada fez uma curva decidida para o leste e não arredou mais o pé dessa direção, quero dizer, pelo menos não o fez enquanto não subisse toda a grande serra, de que eu falava no início, e não a tivesse descido inteira, pelo outro lado, entregando-nos aos pés do formoso rio José Pedro – aquele da divisa estadual –, de onde não tínhamos como evitar a visão assustadora do Caparaó, que nos espreitava desde o sul.

Assim, subimos. E muito subimos. Mas, ainda havia serra e mais serra para subir. No horizonte, ao lado norte, corria uma outra serra, que se estendia para a direção nordeste, separando o vale do rio José Pedro, para onde íamos, da região de entorno do município de Martins Soares, que fica bem mais ao norte, dentro do Estado de Minas Gerais.

Perto do topo daquela serra, havia também muitos cafezais e, incidentalmente, encontrávamos algum milharal ou outra cultura de grãos. No céu, nuvens brancas, de tamanhos nem grandes nem pequenos, distribuíam-se numa formação cerrada, alinhadas em fileiras regulares e sucessivas, como se fossem soldados de um batalhão, perfilados para marchar.

Alcançamos o ponto mais alto na travessia da serra aos 11,2km, quando nossos mapas indicavam a altitude de 994m. Tínhamos, dali, uma vista espetacular daquela serra que, ao norte, continuava nos acompanhando, só que agora mais de perto.

Alcançado o topo da subida, passamos a descer pelo outro lado, onde a paisagem não se modificou nem por um átimo. Olhando, tanto à frente como para os lados, víamos um grandioso cenário de montanhas, com amplos cafezais cobrindo suas encostas. Nós seguíamos na direção do rio José Pedro, mas ele ainda estava oculto, no fundo de seu vale, de modo que só podíamos avistar a nossa frente a enorme muralha do maciço do Caparaó. Para os lados, sendo a esquerda o norte e a direita o sul, víamos as serranias formadas pelas elevações pontiagudas que fechavam as laterais do passo de montanha, pelo qual vínhamos trafegando.

Volta e meia, neste caminho, encontrávamos árvores cobertas de flores amarelas e, estando em pleno mês de março, acredito tratarem-se de exemplares do popular “fedegoso” (Senna macranthera), famosa pela linda floração amarela, que ocorre nos meses entre janeiro e maio.

Aos 14,7km alcançamos o rio José Pedro e, com ele, a fronteira com o Estado do Espírito Santo. Cruzamos o rio por uma ponte comum, sem nenhuma sinalização especial que indicasse a fronteira, e viramos à direita, seguindo o curso de um dos afluentes, o rio Claro, até chegar, uns 500m adiante, ao local onde explora-se o agradável recanto da Cachoeira do Poção.
Este desvio à margem do rio Claro não fazia parte do nosso roteiro, mas, como o dia era claro e quente, fomos atraídos de forma irresistível pela perspectiva de uma diversão com água. Assim, encostamos nossas bicicletas numa cerca próxima ao bar rústico, que lá havia e servia bebidas geladas, além de lanches bem simples, localizado logo acima de uma pequena colina, que antecede a área de remanso das águas, abaixo das quedas, que dá nome ao local. Logo, fomos nos refrescar à beira do poção.



O rio Claro nasce no sopé da grande serra do Caparaó, num local que fica entre os picos da “Cruz do Negro” e do “Tesourinho”. Ele desce formando quedas e corredeiras, até desaguar no rio José Pedro, num ponto pouco adiante da encruzilhada que dá acesso à cachoeira do Poção, pela estrada particular que nós utilizamos.

Sérgio foi banhar-se no Claro e eu fiquei fazendo algumas fotos e tomando uma lata de coca, ali pelo entorno da margem do rio. À meia sombra produzida pelas grandes árvores da mata ciliar, as imagens fluíram naturalmente, mas o local começou a se encher de gente. Era sábado e o Poção parecia ser bem popular.




Depois de um bom descanso à beira do rio Claro e, devo dizer, sentindo um pouco a quebra de privacidade causada pelos tantos turistas, que não paravam de chegar, pegamos nossas bicicletas e retornamos, usando a mesma estrada de acesso do Poção por onde chegamos, para alcançar de novo a nossa rota principal e dali prosseguir na mesma direção nordeste para onde corria, ao nosso lado esquerdo, o rio José Pedro, marco constante da fronteira estadual.
Poucos metros adiante da encruzilhada onde tínhamos visto a indicação de entrada para a Cachoeira do Poção, eu parei para fotografar a Faísca, apoiada contra o suporte da placa de sinalização que postava-se ao lado do primeiro marco da Rota Imperial. Sim, era o primeiro marco que encontrávamos, em todo o setor já percorrido, desde Ouro Preto até aqui. Foi também a primeira sinalização pública a indicar que havíamos deixado o Estado de Minas Gerais para entrar no Estado do Espírito Santo, já que nada havia na ponte sobre o rio José Pedro, que havíamos cruzado um pouco antes de deixar a Rota, para ir à cachoeira do Poção.
Deste ponto em diante, continuamos encontrando marcos oficiais da Rota Imperial de maneira regular, de modo a ficar demonstrado que o Estado do Espírito Santo cumpriu sua parte no projeto de demarcação desta rota histórica, que fora objeto de pelo menos um momento de debate e de entendimento entre esses dois Estados, que aconteceu por volta do ano de 2.008. Ao que parece, Minas Gerais não fez sua parte até hoje, mas o Espírito Santo realizou a demarcação e sinalização da rota, no seu território, durante o ano de 2.013.

Mais adiante, de outro ponto privilegiado, acima do curso do José Pedro, conseguimos uma vista abrangente de seu vale, divisando-se ao longe, no horizonte para o norte, as serras de Minas Gerais que bordejam o município de Martins Soares, já bem além da divisa de estados.

Com 20 quilômetros completados, chegamos ao pequeno distrito de São João do Príncipe, que fica encravado numa barranca um pouco afastada da margem do rio José Pedro. A partir deste ponto alto, fomos aos poucos perdendo elevação e nos aproximando mais do curso do rio, acompanhando a descida gradual de suas águas, até chegar a uma altitude mais próxima do nível de sua calha.

Nesta área mais baixa, no lado do rio e oposto ao da encruzilhada, de onde saía um dos acessos ao parque aquático de Hidrolândia, encontramos mais um marco da Rota Imperial, que serviu de cenário para mais uma foto da bike do Sérgio.

Cruzamos depois o Ribeirão do Brás, cujas quedas e corredeiras servem ao parque Hidrolândia. Foi próximo ao ponto em que ele deságua no rio José Pedro, no local de onde avistamos uma linda queda d’água, semi-ocultada pela mata, em que mais algumas fedegosas floridas, por trás de bananeiras, enfeitavam o lugar. Esta é uma região rica em nascentes e cachoeiras, devido à presença poderosa da Serra do Caparaó, que fica logo ao sul. São tantos os riachos, ribeirões e córregos com seus nascedouros por lá, que nem com auxílio dos mapas se dá conta de encontrar e dar nome a todos. Assim, este aqui também ficou sem identificação.

Por falar em Caparaó, foi perto da localidade de São José das Três Pontes que conseguimos uma vista espetacular do perfil da cabeça daquele maciço, cuja crista se estende a partir dali, direto em direção ao sul.

Como nosso caminho acompanhava o curso do rio José Pedro, desde que o cruzamos (no quilômetro 14,7), ele também seguia o contorno da fronteira estadual, pela margem que fica do lado capixaba. Portanto, ao entrarmos e seguirmos pelo pavimento da BR-262, estrada e rio corriam paralelos, para o norte, tendo-se o rio sempre à nossa esquerda. Pois, assim, seguimos adiante, passamos em frente a um posto da Fiscalização do Estado do Espírito Santo e, no pequeno trevo de onde sai um acesso para a cidade de Pequiá, fizemos um retorno, de modo a voltar pela via lateral da rodovia e chegar logo à Pousada do Café, que era o único estabelecimento de hospedagem que pudemos encontrar, num raio de muitos quilômetros em torno daquela fronteira.

Depois de nos instalarmos na pousada, fizemos um curto passeio à pé, indo à praça central de Pequiá, ao fundo da qual está a igreja, e paramos numa esquina, no Boteco Fino, para comer um sanduíche e tomar uma cerveja. Lá ficamos por mais de duas horas. Puxamos conversa com os munícipes que, por fome ou curiosidade, também paravam por ali, incluindo um simpático casal do Rio de Janeiro, que sentaram-se à mesa ao lado. Eles nos contaram que tinham gostado muito de Pequiá e para cá se mudaram, após a aposentadoria do marido, para aproveitar a vida. Deviam ter, a julgar pela aparência, mais de 70 anos de idade, e pareciam, de fato, um casal feliz.
Mais tarde, para o jantar, pedimos pizza para entrega e utilizamos a área do térreo da pousada, onde havia muitas mesinhas e cadeiras, para sentar e comer. Aquela área era destinada ao café da manhã da pousada e também servia a uma espécie de sorveteria, que parecia também funcionar no local. Mas, isso é assunto para o próximo episódio, que contará o dia de amanhã.
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