Como previamente anunciado neste eletrizante blog, escrevo para você, raro leitor e leitora (homenagem ao Juca Kfouri), da cama do Motel Kokeluche! Mas, não quebremos o suspense, vamos ver, no devido tempo, como cheguei a esta vexaminosa situação.

Catedral de Santo Antônio, Guararema

O dia amanheceu com nuvens mais pesadas e mais baixas do que ontem, mas, sem sinal de chuva, prosseguia tempo bom para pedalar. Às 7:37h, quando saí do hotel e passei pela catedral, ainda havia pouco movimento no centro, de modo que prossegui rapidamente, passei a linha do trem e avancei até cruzar o rio Paraíba, por uma grande ponte. Do outro lado, no primeiro cruzamento, parei para conversar com um pequeno grupo de ciclistas locais, que saía para visitar uma cachoeira. Agradeci, mas recusei o convite para acompanhá-los, porque nesta viagem meu roteiro está preso aos marcos da ER. Desejando-lhes ótimo passeio, fui me afastando, mas logo, duas quadras adiante, parei de novo. Havia uma bicicletaria bem simplesinha, mas que serviu ao meu propósito: Um item que faltou na minha minuciosa lista (ver o post da véspera de viagem), um adaptador de bico de câmara. Pequena e leve, esta pecinha permite que a gente calibre os pneus em postos de gasolina, o que pode ser muito útil, em algumas situações.

Guaratinguetá é uma cidade de bom porte. Embora a maior parte dela fique do lado direito do rio, por onde passa a Via Dutra, ela também se extende por um bom tanto da margem esquerda. Assim, só com 6,5km de percurso, após uma bela subida e ainda em ruas asfaltadas é que atingi os limites da área urbana, podendo apreciar, adiante, os primeiros dos inúmeros arrozais, que pontuam estas extensões de planície.

À distância, nas bordas da área urbana de Guaratinguetá, os primeiros arrozais

Antes deles, porém, uma beleza de ipê rosa se mostrava em todo esplendor, atrás de uma casa.

Daí em diante, por vários quilômetros, os arrozais iam se sucedendo, fazendo um show de nuances na paisagem, como bandejas dispostas em níveis.

Garças num arrozal de Guaratinguetá
Pássaros diversos no arrozal

O percurso de hoje segue, o tempo todo, serpenteando ao longo da margem esquerda do rio, que volta e meia se mostra à minha direita. Como há poucas subidas e uma boa distância em asfalto, que foi até o Km 8,7, sem contar os segmentos que à frente descrevo, o pedal rende.

Mesmo em estrada de chão, com já quase 11km percorridos, eu tinha subido somente 100m. Neste ponto, apareceu a primeira mancha de mata nativa, mas pequena. A estrada começou a subir um morro, mas logo a mata acabou. O morro não. No mais, era só pasto. Morros e mais morros de solo degradado, com um capim pobre e seco, uma dó.

Com cerca de 12km, parei para registrar este triste espetáculo: umas poucas vaquinhas magras, numa imensidão de morros pelados. É evidente que uma pequena área plantada com alfafa ou capim gordura seria suficiente para alimentar essas poucas reses. E todo o resto dos morros poderia manter mata nativa e diversidade. Mas a lógica brasileira é devastar tudo, espremer da terra todo o suco e largar o bagaço, ou por fogo, como aprendemos com os invasores europeus: chupa o pau-brasil, chupa a cana, chupa o ouro, chupa o café, chupa a borracha (agora estão chupando o petróleo do pré-sal). No final, cospe o bagaço e volta para a Europa, que isso aqui é muito atrasado, não é, elite?

Aqui aprendemos assim: O agro é tech; o agro é pop; o agro é a destruição de tudo! Mas, não precisava ser. Pobre Brasil. Sorte que sobrou pelo menos uma grande figueira, para dar um pouco de sombra nesses morros escaldados.

13,5km percorridos e apenas 155m de elevação vencidos, vem de novo o asfalto. Pedal veloz, este de hoje.

Um pouco adiante, passo por um grupo de árvores floridas. Chumaços de flores pequenas, de cor róseo-esmaecida, mas com um perfume doce e suave que toma a atmosfera local. Ainda sentirei mais deste aroma, como veremos adiante.

Rapidamente, atinjo os 18km de percurso e alcanço, 400m depois, a encruzilhada que leva à cidade de Lorena. Viro à direita e logo vejo uma certa ponte vermelha, que já cruzei outras vezes, mas hoje não. Dou as costas a Lorena e sigo à esquerda, em direção a Cachoeira Paulista.

Um pouco depois, com 20,4km e apenas 210m escalados, passo pela Escola de Engenharia da USP, em Lorena, e aos 22,4km termina o asfalto. São apenas 9:28h e já percorri mais da metade do percurso do dia. Mesmo entrando pela estrada de chão, o ritmo não diminui muito, posto que a estrada é boa e o relevo plano. Como o trajeto acompanha o traçado do rio, muitas vezes se pode vê-lo, à direita da estrada, como desta vez que o fotografei. Ao que parece, a grave seca que castiga toda a região sudeste, não atingiu com muita intensidade o Paraíba do Sul.

iPassando dos 25km de trajeto, sinto novamente o aroma gostoso, o perfume adocicado de umas certas flores de tom rosa esmaecido. Desta vez, a árvore não estava em boa posição para fotografar inteira, mas pude registrar bem a florada, que talvez um conhecedor me identifique.

Flores com perfume agradável e adocicado, à beira da estrada

Como já percorri várias vezes esta estrada, fiquei até antecipando locais e atrativos, como a igrejinha amarela, aos 28km, com aparência abandonada, sob a sombra de grandes falsas-seringueiras, que serviram a paradas de muitos pedais.

Igrejinha fechada, defronte a grandes árvores

Inesperado mesmo é cruzar com os personagens locais, quando a câmera está, inadvertidamente, no modo de zoom, para fotografar pássaros, e a gente quase perde a foto do momento. Felizmente, esta não perdi não (cerca de um quilômetro antes de chegar à igrejinha).

O tempo não para. Já aos 28km e o relógio marca as dez da manhã. Mas num pedal assim veloz, nada mais apropriado do que passar por um portal, que mais parece parado no tempo.

Logo que me recuperei da estranha sensação de passar por este portal, notei que atingira a marca de 30,7km de distância (com apenas 300m de ganho acumulado de elevação), de modo que faltavam menos de 8km para meu destino. Parei perto de uma linda casa de fazenda, para um pequeno descanso e hidratação. O leitor ou leitora mais atento irá notar que a pequena árvore que aparece em primeiro plano é daquela espécie que dá flores de um rosa esmaecido e cheirosas demais!

Durante o descanso, este fotógrafo que não consegue parar quieto aproveitou para fazer mais um retrato da sua preciosa, conquistadora da ER.

Retomando após o descanso, em cerca de 15 minutos alcancei a encruzilhada que, à direita, leva a Cachoeira Paulista. Asfalto, de novo. Foi a partir deste ponto que eu mudei meu traçado original, para seguir à Vila do Embaú, ao invés de pernoitar em Cachoeira. Seguindo o princípio de que, quando as coisas não estão bem, escolha a esquerda, virei à esquerda e subi pela estrada asfaltada que vai a Cruzeiro, roteiro da ER para chegar à Vila do Embaú.

Encruzilhada com rodovia: à direita, Cachoeira Paulista; à esquerda, Vila do Embaú e Cruzeiro

Após completar 37km de percurso e 402m de ganho acumulado, o trajeto da ER sai da rodovia, dobrando-se à esquerda (de novo!), numa estradinha de chão, que logo, após a passagem de duas porteiras, se tornará uma trilha.

Segunda porteira, na estrada que sai para a esquerda da rodovia, no Km 37 do percurso.

Logo após passar (e fechar!, nunca se esqueçam) a segunda porteira, o caminho se torna uma trilha bem difícil, muito erodida e pisoteada pelo gado. Aqui, mais uma vez, uma bike com suspensão completa ajuda muito: pode ser a diferença entre pedalar ou empurrar (ou cair).

A trilha se mostra assim por cerca de 200m, quando então melhora só um pouco, e prossegue como tal por mais uns 500m.

Num determinado ponto, subi pedalando uma pequena elevação, que se estendia por alguns metros ao lado da trilha, de onde obtive uma boa foto do seguimento do caminho, com uma fazenda, a meio plano, e o paredão da Mantiqueira ao fundo, desafio de amanhã.

Perto dali, registrei também dois grandes cupinzeiros, com um fundo de cena também magnífico. Confiram:

Vencida a trilha erodida, cheguei a mais um par de porteiras, primeira na marca de 38,4km rodados; a segunda só 100m depois, atrás do cavalinho surrado que aparece no fundo da foto.

Passando a segunda porteira, a trilha vira estradinha de novo e logo ganha calçamento de lajotas de cimento. Assim, passados 38,7km, cheguei a uma área urbana, perímetro da Vila do Embaú.

Desci por uns 300m e cruzei outra rodovia, entrando pela praça que parece marcar a área central da vila, para explorar um pouco, ao invés de seguir pela rodovia, onde fica o motel.

Praça “central” da Vila do Embaú

39,5km rodados, cheguei ao destino. Peguei a rua que sai do fundo da praça e segui à procura de um bar, para comer meu lanche e tomar uma bebida gelada. Um pouco adiante, encontrei uma tropa de cavaleiros e, adivinhando que ali era o bar, fui prosear.

Era uma comitiva proveniente de Aiuruoca, MG, a caminho de Aparecida. Perguntaram de onde eu vinha, para onde ia e desejaram boa viagem. Estavam de partida.

Comprei uma coca gelada no mercadinho (afinal, não era um bar) e banqueteei meu sanduíche de queijo, à mesinha que havia na calçada.

Depois de confirmar que não havia pousada ou hospedaria na vila, a dona do mercadinho assuntou o de sempre —de onde eu vinha e para onde ia— e perguntou do estado da estrada de Paraty, por causa das obras na subida da serra. Informei. Despedi. Segui adiante, para o motel.

Motel Kokeluche, Vila do Embaú

A ideia de pernoitar no motel foi excelente. Eles dispõe de tudo que eu precisava: um quarto para ficar e dormir, uma boa ducha, pia para lavar a roupa, comida e bebida servida no quarto, internet (só razoável). E tudo mais barato que num hotel.

Amanhã enfrentamos o paredão da Mantiqueira. Até lá!

Dados técnicos do pedal

A pedalada no Strava

A pedalada no RideWithGps

A pedalada no Garmin Connect

2 comentários sobre “ER+RI 03 Guaratinguetá à Vila do Embaú e seu Motel

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